A engenharia tem dessas coisas curiosas: vive sendo ameaçada por revoluções que prometem varrer para longe tudo o que conhecemos, substituindo décadas de sabedoria acumulada por soluções que brilham no escuro. Agora, o hype é a Inteligência Artificial. Todo mundo grita que a engenharia será completamente transformada, e que os engenheiros tradicionais devem se preparar para a extinção. Mas, calma lá, vamos ser realistas— como é de nosso costume.

Já temos alguns anos de uso da IA generativa funcionando em nosso planeta e, durante uma estadia em uma indústria nessa semana, me deparei com a mesma engenharia de sempre. Engenheiros e projetistas tomando seu café e trocando valiosas ideias durante o intervalo, diálogo de segurança intenso para um dia de trabalho sem acidentes, equipes debruçadas sobre desenhos entendendo a melhor forma de montar uma estrutura complexa e soldadores derretendo eletrodo como se não houvesse amanhã.

Antes que você seja tomado pela ansiedade tecnológica, sentindo-se ameaçado por robôs simpáticos capazes de resolver equações diferenciais com rapidez suspeita, vamos lembrar que engenharia não é simplesmente uma corrida pelo resultado mais rápido. Sim, inteligência artificial pode prever, otimizar e até tomar algumas decisões; no entanto, há nuances delicadas que dificilmente serão automatizadas.

Veja bem, engenheiros não são apenas máquinas de resolver problemas técnicos. A profissão exige julgamento humano—e não estou falando de bom senso apenas, já que esse parece tão raro quanto um diamante vermelho—mas da capacidade de contextualizar, entender nuances culturais e éticas. Qual algoritmo, por mais avançado que seja, conseguirá entender que uma solução tecnicamente perfeita é inútil se não levar em conta as sensibilidades sociais locais ou políticas? Inteligências artificiais não frequentam reuniões entediantes com políticos ou clientes exigentes que mudam de ideia mais rápido que o tempo em Curitiba.

Outra coisa, amigos, é a criatividade genuína. Claro, vão dizer que a IA já faz arte, música, poemas e, daqui a pouco, estará apresentando stand-up comedy. Porém, criatividade em engenharia não é só gerar algo novo por gerar—é inventar com propósito claro, contexto histórico e econômico definido. Essa criatividade pragmática é quase artesanal, moldada por anos de tentativas, erros e persistência. A IA, até agora, apenas reproduz padrões do que já existiu antes, mesmo que com uma eficiência assustadora. Mas onde fica o salto criativo, aquele insight inesperado que nasce da mente inquieta que, por acaso, teve uma ideia absurda, mas genial, durante um cafezinho no canteiro de obras?

Aliás, falando em café, não podemos deixar de lado a habilidade social da engenharia. Já viu uma IA tomar café com o mestre de obras ou fazer aquele networking estratégico em congressos enfadonhos? Pois é, o engenheiro de verdade não só executa cálculos impecáveis como também sabe conversar, negociar e construir relacionamentos. O dia em que um algoritmo conseguir construir confiança verdadeira—não a falsa cordialidade do atendimento digitalizado—eu pessoalmente pedirei desculpas públicas às máquinas, provavelmente enquanto fujo para algum lugar longe das torres de telecomunicações.

Além disso, vamos ser sinceros, boa engenharia é feita com intuição e feeling. Muitos defendem que engenharia é puramente lógica e matemática, mas, na prática, sabemos que certas decisões nascem do que chamamos de “sentir o problema”. E esse sentir não é sentimentalismo barato; é a experiência acumulada que fala através de algo próximo à intuição. Você pode jogar dados em algoritmos a vida inteira, mas dificilmente reproduzirá aquele insight rápido, a solução improvisada que surge nos minutos críticos de uma obra ou projeto complexo, resultado do conhecimento acumulado pelo olhar atento e vivido dos bons profissionais.

Por último, e talvez mais importante, engenharia é responsabilidade. Não estou falando do discurso politicamente correto e bonito sobre “ética profissional”. Refiro-me ao peso da decisão humana que entende, profundamente, que seu erro pode custar vidas, dinheiro e reputações. Nenhuma inteligência artificial carrega, realmente, essa responsabilidade. A IA pode até recomendar decisões, mas o carimbo final é humano, e é um carimbo pesado. Humanos entendem consequências humanas, e essa é uma distinção crítica. Quando tudo der errado, e eventualmente algo sempre dará, nenhum cliente ou autoridade aceitará a resposta “mas a IA disse que estava certo”. Não haverá algoritmo que escape do olhar severo da responsabilidade.

No final das contas, não é que a IA não vá revolucionar aspectos da engenharia—certamente vai, especialmente em tarefas repetitivas e cansativas (estou preparando um texto sobre isso que será publicado nesse site em breve). No entanto, o núcleo duro da engenharia, aquele que reside no cruzamento perfeito entre técnica, criatividade pragmática, habilidades sociais, intuição prática e a carga da responsabilidade moral e ética, permanecerá fundamentalmente humano.

Por isso, caro leitor, fique tranquilo. Respire fundo e não ceda à histeria tecnológica. A Inteligência Artificial pode até ser a revolução anunciada, mas, como sempre, o verdadeiro coração da engenharia continuará pulsando calmamente em uma velha mesa de reunião, talvez acompanhada por um café forte e um sorriso levemente irônico diante das modas passageiras.

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Especialista em escaneamento à laser, fotogrametria e drones sócio proprietário da GENIA. Desde 2008 atuando em projetos de engenharia industrial e de infraestrutura.

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