A diferença não é só de fuso. É de mentalidade. É de modelo. É de como se enxerga o canteiro: como fábrica, não como improviso. A produtividade da construção civil chinesa não é um feito isolado. É um projeto nacional. Enquanto seguimos discutindo se vale a pena investir em pré-fabricado, eles já estão entregando arranha-céus como se fossem kits de montagem com precisão, velocidade e impacto mínimo no entorno.
Ignorar o que a China está fazendo é uma escolha cara. E não, não se trata de copiar cegamente. Mas de aprender com profundidade. De olhar para os fundamentos e perguntar: o que, de fato, impede o Brasil de dar esse salto?
Neste artigo, vamos esmiuçar os cinco pilares da revolução produtiva da construção chinesa. Não com deslumbramento. Mas com urgência.
1. A fábrica substituiu o canteiro, e o cronograma foi destruído
Em 2021, a Broad Group montou um prédio de 10 andares em menos de 29 horas. Não é vídeo de simulação. É execução cronometrada. Como? Com construção modular pré-fabricada, onde cada módulo já sai da fábrica com elétrica, hidráulica, esquadrias e até acabamento prontos.
A fábrica entrega qualidade. O canteiro só monta. Isso elimina improviso, reduz desperdício, traz previsibilidade. O resultado não é apenas velocidade. É consistência. Cada projeto vira uma réplica industrial, não um protótipo artesanal. Isso exige projeto integrado, tolerâncias controladas e um mindset orientado à repetição. Ou seja: o contrário do que se vê em boa parte dos canteiros brasileiros, onde cada obra parece começar do zero.
2. Execução paralela: construir mais rápido não é correr. É planejar certo.
Na China, enquanto a fundação é escavada no terreno, os módulos já estão sendo produzidos na fábrica. Quando a laje está pronta, a estrutura já está no caminhão. O tempo, ali, é ativo estratégico e tudo é feito para não desperdiçá-lo.
Isso só é possível porque há planejamento real. Planejamento que cruza fábrica e campo. Que usa BIM não como catálogo de modelos, mas como ferramenta de controle de execução. Um modelo vivo, conectado a cronogramas e logística. A construção chinesa não é rápida porque tem mais gente. É rápida porque usa melhor os recursos inclusive o mais escasso: o tempo.
3. O Estado não atrapalha. Ele empurra.
Enquanto no Brasil muitas normas parecem existir para dificultar, na China o governo atua como catalisador da transformação. Em seu 13º Plano Quinquenal, estipulou metas claras: 30% das novas construções urbanas devem usar métodos industrializados até 2025.
Isso não ficou no papel. Vieram incentivos fiscais, regulamentações específicas, subsídios, linhas de crédito. A política pública virou motor de mudança. E isso fez com que os players do setor se movimentassem. Não porque quiseram mas porque era a única forma de continuar no jogo.
4. Cadeia produtiva integrada: quem manda é quem coordena o todo
Na China, muitas construtoras são também fabricantes dos seus próprios módulos. Isso elimina ruídos entre projeto e produção. Entre projeto e obra. E cria uma fluidez quase impossível quando o projeto está em um escritório, a obra com outro, e os fornecedores em terceiro.
A integração vertical permite controle. Controle traz qualidade, previsibilidade, margem. E abre espaço para inovações de verdade: IoT no canteiro, inteligência artificial para monitorar produtividade em tempo real, digital twin operando desde a fundação. Nada disso é ficção. É operação. E acontece porque quem executa domina o processo de ponta a ponta.
5. Eficiência energética e sustentabilidade como padrão, não como diferencial
As edificações pré-fabricadas chinesas não só são rápidas. Elas são sustentáveis por padrão. Isolamento térmico eficiente. Materiais recicláveis. Sistemas construtivos que reduzem emissões e resíduos. A fábrica gera menos entulho. O transporte é otimizado. A montagem é limpa.
E isso tudo não é feito por ideologia. É feito por cálculo. Sustentabilidade, nesse contexto, é produtividade. Cada tonelada de resíduo que deixa de ser produzida representa economia. Cada sistema eficiente de energia reduz custo operacional e valoriza o imóvel. Não é discurso verde. É estratégia de mercado.
O que tudo isso nos ensina?
Que produtividade é escolha. Que eficiência se constrói. E que quem ainda trata planejamento como burocracia e pré-fabricado como “engessado” está ficando para trás.
No Brasil, seguimos tratando obra como algo único, irrepetível, artesanal. Como se a qualidade viesse do improviso. Como se projeto e obra tivessem que se estranhar. Enquanto isso, um prédio de 10 andares é montado na China em menos de 30 horas e com menos retrabalho, menos gente, menos desperdício.
A pergunta que fica: até quando vamos aceitar a lentidão como normal?
O modelo chinês mostra que é possível romper com a lógica da construção como exceção. Mas para isso, precisamos mais do que tecnologia. Precisamos de vontade política, revisão de normas, capacitação profissional, incentivo a modelos integrados.
O futuro da construção já começou. E não começou aqui. A decisão é sua: continuar repetindo os erros do passado ou começar a construir o próximo ciclo com inteligência, visão sistêmica e ousadia industrial.